terça-feira, 25 de março de 2008

História redescoberta


Antes de fazer um documentário, o documentarista intui o tema. Mas é durante a filmagem que ele descobre exatamente o que está filmando. É assim que Vladimir Carvalho explica como seu novo filme, O engenho de Zé Lins, transcendeu a idéia inicial de homenagear o escritor José Lins do Rego, autor de obras como Menino de engenho ou Fogo morto, para se tornar uma espécie de retrato do tempo e do Brasil. Um retrato da decadência, em que o esquecimento da obra do autor é contemporâneo do colapso do espaço onde viveu e das transformações na vida nacional.O engenho de Zé Lins, que está sendo lançado sexta (dia 21), em Belo Horizonte, é o novo capítulo na obsessiva luta do diretor de O país de São Saruê e Conterrâneos velhos de guerra no sentido de construir um registro cinematográfico ao mesmo tempo crítico e poético da realidade brasileira.O projeto de O engenho de Zé Lins não surgiu por causa das comemorações do cinqüentenário da morte do romancista em 2007. “É uma idéia que já tem quase 60 anos. Tive minha cabeça feita para José Lins do Rego por causa do meu pai, que era fã dele e estudou no mesmo colégio”, explica. Depois de adulto, a idéia de fazer um documentário sobre o escritor surgiu como uma espécie de “identificação nordestina” (tanto Vladimir quanto José Lins do Rego nasceram na Paraíba). No início dos anos 1960, o cineasta pesquisava a história do Rio Paraíba. A proposta não era fazer um estudo acadêmico ou turístico, mas revelar o rio como uma espécie de acontecimento sociogeográfico. No processo, acabou indo ao encontro de cenários tanto da infância de José Lins do Rego quanto de seus romances, além da questão dos engenhos, da posse de terra, da decadência da economia rural nordestina quando a indústria açucareira começou a se fortalecer em São Paulo.Quartel-generalEm 2003, Vladimir Carvalho resolveu conduzir de uma vez por todas o projeto. Reuniu todo o material que já tinha sobre engenhos e se mudou de Brasília, seu quartel-general nas últimas décadas, para o Rio de Janeiro: “É lá que vivem os parentes de José Lins do Rego e onde estão os poucos arquivos que têm maior quantidade de imagens dele”, explica, referindo-se a acervos de jornais, da família do escritor e do cineasta Sílvio Tendler, outro obcecado com o documentário. “No fim das contas, acho que O engenho de Zé Lins acabou se tornando um filme sobre o Brasil contemporâneo, descoberto a partir de uma abordagem do Brasil agrário”, explica Carvalho.O engenho de Zé Lins se transformou em uma espécie de obra aberta, que o espectador pode abordar a partir de diversos pontos. Há quem aprecie, por exemplo, a ótica política. Vladimir Carvalho, sempre envolvido com a questão social, não poderia deixar de associar ao filme o fato de que o engenho onde José Lins do Rego cresceu é hoje assentamento de trabalhadores rurais sem-terra. “Mas a questão já estava presente na obra dele muito antes de o termo sem-terra existir: Moleque Ricardo antecipou toda a questão agrária, tanto em seu estágio atual quanto em outros momentos da história, como as ligas camponesas dos anos 1960”, diz o diretor.Mas há outras abordagens possíveis: O engenho de Zé Lins pode ser visto como uma obra que fala da narrativa, do documentário e do choque entre eles e a realidade. No filme, Vladimir Carvalho apresenta algumas imagens de Menino de engenho, dirigido por Walter Lima Jr., inspirado no romance homônimo de José Lins do Rego e filmado nos próprios locais da infância do autor. “O engenho de Zé Lins, um documentário, dialoga ao mesmo tempo com Meus verdes anos, que é o livro de memórias de José Lins do Rego, sua autobiografia, e com Menino de engenho, que é um romance, é ficção, mesmo inspirado em fatos ou pessoas reais”, conclui.


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