segunda-feira, 3 de março de 2008

Carpideiras



Fortaleza

A função das carpideiras, o surgimento e origem dessas figuras tão interessantes da cultura popular foram objetos de estudo do Projeto de Pesquisa “Cultura Popular e Cinema - As carpideiras no filme Abril Despedaçado, de Walter Sales”, estudado por um grupo de universitários da Universidade de Fortaleza (Unifor), de Fortaleza.Uma das integrantes do grupo de pesquisa do projeto foi a especialista em Teorias da Comunicação e da Imagem pela UFC, graduada em Comunicação Social pela Unifor e estudante de Jornalismo, Ana Cecília Soares.De acordo com ela, a pesquisa foi realizada de julho de 2003 a junho de 2004. “Entre os objetivos estava que cada membro tinha que se pautar em algum elemento e, eu, resolvi verificar como estava a tradição no Ceará”, disse ela. Posteriormente, serviu como base para sua monografia de conclusão do Curso de Comunicação Social - Publicidade.Segundo a especialista, as carpideiras são pessoas que “lamentam o morto e moribundo por meio de cânticos, reza e, principalmente, lágrimas, em troca de roupas, alimentos e dinheiro. Consiste em encomendar e abrandar a alma do morto para outro mundo”. No estudo, ela verificou que “era como se o morto precisasse de alguém para encaminhar a piedade divina dos pecados”.

No Brasil

Esse ofício em que as pessoas acreditavam que facilitaria a entrada no céu, conforme a estudante, chegou ao Brasil com os portugueses. “O historiador Câmara Cascudo fala que aqui, no Brasil, não tiveram as carpideiras profissionais, pois as nossas atuavam de forma gratuita, não precisavam receber nada em troca, diferentemente das carpideiras da Europa”, comentou ela.

Ana Cecília explicou que, como faz parte de toda uma cultura oral, não existe um local responsável pelo surgimento das carpideiras. “O que se sabe é que iniciou no Egito Antigo e na Europa”.Comentou ainda que, conforme Cascudo, em Roma, chegou-se a divulgar oficialmente a indispensabilidade ritual das carpideiras, dividindo-as em dois grupos fundamentais: a prefica, que era paga para cantar os louvores do morto; e a bustuária, que acompanhava o cadáver ao local da incineração, pranteando-o estridentemente, com base em uma tabela de preços.Na civilização egípcia, durante o cortejo fúnebre, para que a dor que todos sentiam ficasse ainda mais exaltada, carpideiras profissionais eram contratadas. “Com o rosto pintado com lama, as carpideiras não cessavam de gemer e de bater nas próprias cabeças, arranhando as faces e arrancando os cabelos com selvageria”.

Significado

Segundo a etimologia, o verbo “carpi” significa arrancar (cabelos, barba) em sinal de dor, murmurar, sussurrar, chorar. Dessa forma é que agiam as carpideiras do Egito, uma autoflagelação. “Para que a dor ficasse exaltada, elas faziam todo um ritual, rasgavam a blusa, arrancavam os cabelos”, descreveu a estudante.Ela ainda comentou que estas eram contratadas pelas pessoas mais ricas. “Quanto mais ricos, mais a dor tinha que ser enfatizada”, relatou.

Bibliografia

Ela destacou que quase não existe bibliografia sobre o assunto, mas, a partir do que pesquisou, no Brasil, as carpideiras existiram principalmente no Nordeste e em Minas Gerais. Para sua pesquisa se baseou nos estudos de Câmara Cascudo e no livro de Cândida Galeno, “Ritos fúnebres no interior cearense”, de 1956.“Ao fazer minha pesquisa de campo, entrevistando pessoas que tinham sido carpideiras, elas nem conheciam este nome, mas sim como ´cantadeiras de inselências´, que, segundo Cândida Galeno é como esse nome que se conhece no Ceará”, disse a especialista.EntrevistadosEla entrevistou, ao todo, 22 pessoas, na faixa etária de 47 a 83 anos, entre homens e mulheres. Foram dez em Furnalhão, um lugarejo no município de Ubajara; três em Juazeiro do Norte, cinco em São Gonçalo do Amarante e, também, quatro na cidade de Quixeramobim, no Sertão Central do Ceará.“Era uma tradição feminina, mas homens e até crianças participavam. Muitos contaram que aprenderam a cantar com os familiares e a passar a noite inteira valorizando o morto. Sem restrição de sexo e idade”, ressaltou Cecília.CânticosConforme ela, os cânticos eram entoados no mesmo ritmo e, também, no mesmo tom, sem acompanhamento, com um português arcaico.“Os versos se repetiam 7, 10, 11 ou até 12 vezes. Se for verificado no dicionário de símbolos, estes números têm conceito de ciclo de vida concluído e renovação da alma. São bem penosos e acabam incitando o choro nas pessoas”, descreveu a pesquisadora.Como resultado de seu estudo, Ana Cecília constatou que a atividade praticamente não existe mais no Estado do Ceará. “Muitas carpideiras estão vivas, mas doentes, idosas. E, hoje, falta interesse das novas gerações em dar continuidade ao trabalho. Os antigos colocam a culpa na tal da modernidade. E dizem que os benditos foram sendo substituídos por cantos religiosos da Igreja Católica”. Porém, dona Rosinha, em Juazeiro, resiste em manter viva essa tradição histórica.

SAIBA MAIS

Exemplos de benditos ou inselênciasRosário de Maria"1 Rosário de Maria1 Mistério da paixãoOh, minha mãe gloriosaE eu vos dou meu coração"12 anjinhos"Oh, meu Deus, eu vou pro céu2 anjinho vai me levandodo mundo vou me esquecendoe só de Deus vou me alembrando"ObservaçãoCada música era cantada 12 vezes. Nos trechos onde há número, quando eram cantados novamente, iam se modificando. Por exemplo: ´dois rosário de Maria´, ´dois mistério da paixão´...


Mais informações:Ana Cecília SoaresEspecialista em Teorias da Comunicação e da Imagem e publicitária

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei das informações. obrigado.